Thursday, July 7, 2011

Dedicatória às agências de rating americanas

"De facto, se todos tivessem igual acesso ao lazer e á segurança, a grande maioria dos seres humanos, que normalmente vivem embrutecidos pela pobreza, instruir-se-iam e aprenderiam a pensar pela própria cabeça; a partir daí, cedo ou tarde concluiriam que a minoria priveligiada não desempenham qualquer função, e acabariam com ela." Pag. 194

"A essência da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas do produto do trabalho humano. A guerra prefigura a forma ideal de despedaçar, de lançar na estratosfera ou de afundar nos abismos marítimos produtos que, de outro modo, poderiam servir para dar às massas um conforto excessivo, e por conseguinte a longo prazo, torná-las excessivamente lúcidas."

"Ao mesmo tempo, a consciência de se estar em guerra, e por conseguinte em perigo, faz surgir como condição natural e inevitável da sobrevivência a entrega de todo o poder a uma pequena casta."

Pag. 195

George Orwell - Mil noventos e oitenta e quatro - Edição da Antígona

É fod... a natureza humana.

Friday, June 17, 2011

Uma ilusão de liberdade

O Sr. X está farto da correria do dia-a-dia e a ideia de ganhar um Nobel já não desperta nele a mais pequena emoção, na verdade o Sr. X quer passar os seus dias a fazer coisas simples com as pessoas de quem mais gosta despreocupado com o dia de amanhã. Não tem casa própria, não tem carro, não tem dívidas e o seu salário chega à justa para as despesas da casa, não tem poupanças, não recebeu heranças e por isso na verdade só a roupa que traz no corpo e mais um punhado de tralhas lhe pertecem. Numa análise superficial são poucas as amarras que o prendem à sociedade e para o Sr. X realizar o seu sonho basta partir.

Num belo Domingo de Agosto o Sr. X e a sua família juntaram os seus trapos em duas malas, despediram-se dos vizinhos e partiram alegremente para o interior. O Sr. X tinha passado numa aldeia abandonada há uns anos e com o pouco dinheiro que trazia no bolso lá consegui chegar. Dois meses depois a casa antiga já tinha janelas e o vento já não entrava. A mobília apesar de tosca lá dava para o desenrasque. O Sr. X descobriu que tinha jeito para estas coisas manuais e passava as tardes calmamente a construir mais um utilitário. As crianças corriam pelo campo fora e a Sra X apanhava alguns legumes da horta para fazer uma sopa.

Estavamos em Setembro e os dias já não eram tão longos. Naquele dia ao escurecer ouviram ao longe o barulho de um motor e um jipe enorme coberto de pó aproximou-se. Do jipe saiu um Sr. balofo, careca e baixote, transpirado até aos joelhos e visivelmente incomodado por ter largado o seu escritório na cidade grande para se vir encher de pó neste fim do mundo. Veio arremessar a sua ordem judicial. Os herdeiros desta propriedade ainda tiveram a generosidade de lhe dar quinze dias para sair disse. Se o não fizer serei obrigado a voltar com a guarda.

Alguns dias depois o Sr X fechou a porta da casa com uma lágrima, só a podia fechar com uma lágrima porque o trinco nunca tinha existido, lá dentro só haviam memórias de sorrisos e isso ninguém quer roubar. Ao andar pela estrada passou por um enorme pomar de macieiras, todos estavam com fome e as maças pareciam de ouro mas a cerca de arame farpado fazia delas miragens. O Sr. X ainda tentou alcançar uma para dar à menina que já chorava mas alguém gritou um ah malandro que se te apanho ainda te dou um tiro, envergonhado pediu desculpa mas só recebeu de volta um vai trabalhar, calões, sacanas, anda um gajo aqui a trabalhar para estes…

O calor ainda apertava apesar de o Outono estar a chegar, com o pó a garganta parecia que estava a aspirar agulhas e o Sr. X ouviu água a correr, um rio talvez pensou. Era uma subida e não dava para ver de onde vinha mas aquele som fez com que aqueles metros parecessem centímetros. Infelizmente do outro lado encontrou só um enorme letreiro, dizia Companhia das Águas de Algum Lugar. O letreiro estava por detrás de uma rede mais alta que dois homens e dois cães pretos rodeavam a entrada e esperavam-no com os seus dentes brancos e espumados como que a pedir que lhes desse o gozo de tentar saltar. Ao longe podia ver algumas paletes de garrafões preparadas para ir para algum super-mercado.

Esfomeados, desidratados e já sem nada na alma chegaram a uma instituição de solidariedade, no dia seguinte depois de um bom jantar, um banho, uma roupa notoriamente fora de moda e poucas horas a tentar dormir o Sr. X pegou nos dois euros que ainda tinha no bolso, colocou-os na ranhura do telefone e ligou ao seu amigo. Ele fez o favor de o vir buscar, o antigo patrão ainda não tinha encontrado alguém para o substituir e com a crise a sua antiga casa ainda estava vaga. Menos mal pensou. O Sr. X descobriu que quando nasceu já tinha uma divída para com a sociedade mesmo sem o saber, tudo é propriedade de alguém e para viver o Sr. X hoje sabe que tem de trabalhar como alguém decidiu um dia que se tinha de trabalhar, pelo preço que alguém decidiu que se deve pagar e quem quiser ser diferente pode livremente respirar, o ar esse ainda não se paga mas ninguém vive de ar.

Ora digam lá se isto é liberdade?